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Nossas Histórias

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domingo, 1 de fevereiro de 2015

Depoimento do Marcelo Quintela

EU ESTAVA FAZENDO XIXI
...E meu caçulinha bateu à porta do banheiro dias desses: "Papai, um moço disse que você tem que descer até a portaria pra falar com ele AGORA!"
"- Ok, avisa que o papai não pode agora, filhote!"
"- Mas disseram tem que ser AGORA, pai!"
"- Então não vai ser nem agora e nem depois!"

E fiquei ali, no banheiro, tentando entender porque fui tão reativo... Viajei para a época que eu era um pré-adolescente como esse meu filho. Eu era mirradinho, fraquinho, tímido e cheio de tensão! Não era para menos. Passei três anos perseguido por marginais e pedófilos que comiam os garotinhos e as virginzinhas que moravam próximo à Vila Mathias, bairro do Centro antigo de Santos, uma região sombria, cheia de casarões antigos como as que eu vivia com meus avós, mas que eram feitos cortiços subalugadas à dezenas de famílias da imigração nordestina. Os pedófilos mandavam! Davam bola de futebol, roupas bacanas e material escolar para as crianças que assediavam. As mães, quase sempre solteiras e pobres, evitavam perguntar para os filhos de onde vinham aqueles presentes... Fui trabalhar numa tapeçaria, para depois de um tempo descobrir que o lugar era só fachada para ocultar o lugar que as "festinhas" aconteciam: As crianças viam filmes pornôs cheirando cola e fumando maconha, e, então, deitavam umas sobre as outras sob orientação dos adultos. Os mais alucinados eram também "traçados" e os demais se mantinham entre troca-trocas e coca-colas. E eu fugi dali...
Mas um dos caras mandou me buscar à noite. Mandei avisar pra me deixarem em paz. E os meninos me diziam que lá era meu trabalho. E eu alegava que não era mais, e que ali não se trabalhava. Daí veio a cartinha dizendo: "Ou volta ou a gente conta para teu pai que você participa de tudo isso"! Ok, a solução era pedir proteção para meu pai. Mas quando fui contar sem nem saber como começar, ele não quis ouvir: "Marcelo, não me traga problemas". Entrou no seu quarto, deitou e disse para mamãe: "Se meu filho for viado, eu quero que Deus o leve!"
E eu ouvi. Meu pai não confiaria em mim. Desde esse dia sou um cara sozinho! Eu tinha só 12 anos e o medo virou meu mais rotineiro sentimento. Fugi para outra cidade, e o cara estava lá. Eu ia brincar na casa de amigos distantes e na esquina o cara se escondia, nas sombras... Perseguido o tempo todo, vivia sobressaltado! Fui sequestrado voltando da escola, puxado pela mochila. Era um passeio a mais de 180 km/h no cais do Porto. Era só terrorismo. Me mandavam descer em qualquer lugar da cidade e eu nem sabia como voltar para casa! Vinha chorando e orando! Olhava para os adultos com quem cruzava, mas parece que ninguém me via... Parece que eu nem existia... E o diabo ainda fez o "favor" de contar pros caras que eu não podia contar com meu pai! Daí, os meninos batiam a minha porta quase meia-noite: "Vem com a gente ou vamos gritar para acordar teu pai!" Eu gelava! Outras noites meu irmão vinha me avisar: " - Marcelo, tem um moleque aí dizendo que você tem que ir com ele AGORA!"
"- Diz que eu estou dormindo, pelo amor de Deus!" Ele ia e voltava: "Ele disse que se não te levar, ele apanha de uns caras!"
Eu tirava o pijama e me arrastava até a rua da tapeçaria. Lá eu ficava de estátua, inerte, cabeça baixa, exposto aos meus "admiradores". Um calendário na parede trazia uma foto minha. Que vergonha! Mas não me tocavam. Acho que temiam a reação do único menino que ainda tinha família, papai e mamãe, ali na região. Era preciso que eu cedesse, mas eu nunca o fiz. E por isso, paguei caro! A agonia se estendia. Eu vivia entre febres, enxaquecas e orações. Não dormia sempre esperando alguém bater à porta. Um dia veio a própria mãe do cidadão, uma velhinha que mal andava, com elefantíase. Ela me disse que eu precisava ir com ela porque o filho estava quebrando tudo na casa e só sossegaria se me visse! (Meu Deus! Tô perdido!)... Depois de uns dias de sossego inexplicável, eu abri o jornal e li que a policia o prendeu em flagrante enquanto estuprava uma criança de 7 anos. Sim, lá foi ele pra cadeia receber o que sempre deu!
Os anos se passaram... Os outros meninos não sobreviveram... Começaram a lidar com injetáveis pouco antes da AIDS chegar, e quando ela veio, levou todo mundo!
Mas eu estou aqui... Estou em casa...
E tem alguém lá embaixo, na portaria, mandando avisar um homem de 41 anos e mais de 10 vidas em uma só, que eu teria que descer AGORA!
Não!

Já perdoei meu pai e nem lembro do cara, mas não desço!
Não tô traumatizado, mas é verdade que giro o mundo resgatando uns "marcelinhos" abusados por aí, mas isso é a energia do Espírito se valendo da minha dor para proteger tantos pequeninos sozinhos! Sim, talvez eu esteja me salvando cada vez que salvo! Isso francamente não me importa! (Deus usa até doença!). O que importa é que não vou descer pra falar com seja-lá-quem-for que me dê um comando. Se for oficial de justiça ou polícia vai ter que subir... Eu só obedeço a Deus! Ninguém me diz o que fazer, nem para onde ir. Ouço conselhos, não recebo ordens! Sou dono de mim. Virei metal. Só as coisas do Evangelho me amolecem o coração, e eu persigo os que se valem desse Evangelho para abusar da fé de gente inocente, feito "pedofilia espiritual"! Eu bato na porta deles de madrugada: "Tira a pata desse pequenino, seu safado!"
Por fim, nem sei quem estava me chamando...rs
Tô fazendo xixi...


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